JORGE RODRIGUES SIMAO

ADVOCACI NASCUNT, UR JUDICES SIUNT

O erro do fim da história

Francis Fukuyama: The End of History and the Last Man

Endofhistory

“What we may be witnessing in not just the end of the Cold War, or the passing of a particular period of post-war history, but the end of history as such: that is, the end point of mankind's ideological evolution and the universalization of Western liberal democracy as the final form of human government.”

The End of History and the Last Man

Francis Fukuyama 

Existia sonho de que a história tal como era conhecia terminava com o desmembramento da União Soviética, a hegemonia da democracia liberal e o capitalismo. As atenções convergiram no crescimento económico, mas a história imperturbável e serena contínua e regista de forma cruel, como o demonstrou com a ocupação russa da Crimeia, e as novas tensões que produz o Irão, Israel, e a Síria. Os Estados Unidos que se parecem estar em retirada, procurarem alterar a política mundial e a ordem global por si imposta. A tese tem opositores com importantes argumentos. É a grande polémica do momento.

 

O ideólogo americano, Francis Fukuyama, publicou, em 1992, o controverso livro intitulado “O fim da história e o último homem”, onde defende a tese de que a história da humanidade, considerada como uma luta entre ideologias, tinha terminado com a queda da União Soviética, no entendimento, de que talvez não estivéssemos apenas a assistir ao final da Guerra Fria ou a uma simples transição de um período histórico a outro, mas também ao fim da história tal como a concebíamos, ou seja, ao termo da evolução ideológica da humanidade e da universalização da democracia liberal ocidental como forma última de governo humano.

O dito autor confessou que a ideia do fim da história tinha retirado do filósofo alemão Friedrich Hegel, que enquanto escrevia sobre um acontecimento histórico considerado decisivo, avisava que a concorrência e o conflito não desapareceriam do mundo, que é exactamente o que se passou e está a acontecer. O cenário mundial, desde o ínicio do ano tem revelado as rivalidades geopolíticas existentes.

A Rússia invadiu a península da Crimeia; a China tem vindo a reiterar a soberania sobre águas costeiras e o Japão tem replicado com o fortalecimento da sua estratégia militar; o Irão tentou usar as suas alianças com a Síria e com o Hezbollah, organização terrorista islâmica chiita do Líbano para dominar o Médio Oriente. Os Estados Unidos e a Europa estão seriamente preocupados com tais situações, pois preferiam abandonar as questões geopolíticas territoriais e o domínio militar para se concentrarem em temas como a ordem e a governança global, o império da lei, a liberalização do comércio e as mudanças climáticas.

O objectivo mais importante da política externa dos Estados Unidos e da União Europeia, desde o fim da Guerra Fria tem sido o afastamento das relações internacionais do exercício sem vantagens para as enquadrar em acordos que a todos pode beneficiar. As potências ocidentais devem considerar que os países que forcem as relações internacionais para conflitos antigos como o da Ucrânia, não apenas gastam tempo e energia em tais questões que não deixam de ser importantes, mas que mudam a natureza da política internacional.

Os ocidentais nunca deveriam ter esperado que desaparecesse a antiga geopolítica como afirmou Hegel e apenas o fizeram porque interpretaram de forma errónea o significado do colapso da União Soviética, traduzido no triunfo ideológico da democracia capitalista liberal sobre o comunismo, mas não no enfraquecimento e abandono das potências mais fortes. A China, Irão e Rússia nunca acreditaram num acordo geopolítico que seguiu à Guerra Fria e sempre têm tentado contradizer.

Aquando do termo da Guerra Fria, muitos americanos e europeus alimentavam a esperança de que se tinham solucionado as mais inquietantes questões geopolíticas. Tendo como excepção alguns problemas relativamente menores, como a ex-Jugoslávia e o conflito entre Israel e a Palestina, novamente intensificado de forma brutal, acreditavam que os grandes problemas de política mundial não seriam sobre fronteiras, bases militares, autodeterminação ou esferas de influência.

Os acordos posteriores à Guerra Fria, na Europa, implicaram a unificação da Alemanha, o desmantelamento da União Soviética e a incorporação à OTAN e à União Europeia dos países do Leste da Europa e das repúblicas bálticas. No Médio Oriente os sunitas que eram aliados dos Estados Unidos (Arábia Saudita, seus aliados do Golfo, Egipto e Turquia) foram dominados e deu-se o duplo conflito do Irão e Iraque.

A Ásia, ficou marcada pelo domínio incontestável dos Estados Unidos, mediatizado por um conjunto de relações de segurança e cooperação militar com o Japão, Coreia do Sul, Austrália, Indonésia e outros aliados. Todavia, a estabilidade dos acordos dependia da estabilidade das relações que os sustentavam e muitos no Ocidente amalgamaram as condições geopolíticas da época com o resultado final da luta ideológica entre a democracia liberal e comunismo soviético.

O livro de Francis Fukuyama, quiçá, contribuiu para divulgar o erro de que o colapso da União Soviética não só significava o desaparecimento da luta ideológica no mundo, mas também que a geopolítica atingia o seu fim. Tal visão levaria no futuro, que os países deveriam adoptar os princípios do capitalismo liberal para estarem em conformidade com a época.

As sociedades comunistas, fechadas, como a soviética, tinham demonstrado não serem suficientemente imaginativas e produtivas para competir económica e militarmente com os estados liberais. Os seus regimes políticos eram instáveis, dado que nenhuma outra forma social que não fosse a democracia liberal garantia a suficiente liberdade e dignidade para que uma sociedade se mantivesse estável.

Os únicos perigos para a paz mundial viriam dos estados vilões como a Coreia do Norte, e se quisessem desafiar os países ocidentais, não o poderiam fazer por estarem demasiado enfraquecidos devido às suas antiquadas estruturas políticas e sociais e nunca teriam a possibilidade de serem bem sucedidos, a não ser que desenvolvessem armas nucleares, que foi o que fizeram. Tal era a visão do que aconteceria. Ao princípio tudo pareceu funcionar bem, mas terminada a história, a atenção mudou da geopolítica para a economia do desenvolvimento e a não proliferação de armas.

A política externa centrou-se em questões como as mudanças climáticas e o comércio. A combinação do fim da geopolítica e do fim da história permitiam pensar num mundo mais próspero e mais livre. Passados vinte e dois anos após a publicação do livro de Francis Fukuyama, a geopolítica regressou para contradizer definitivamente esta tese. O fim da história, foi uma ideia de Hegel, que afirmava que embora o estado revolucionário (referia-se ao exército de Napoleão que derrotou o exército prussiano na batalha de Jena, em 1806) tivesse triunfado para sempre sobre os antigos tipos de regimes, os conflitos e as rivalidades não desapareceriam.

Os conflitos continuam a persistir passados dois séculos. Se adoptamos uma visão hegeliana do processo histórico deveríamos admitir que pouco mudou desde o início do século XIX. Os países devem desenvolver as ideias e as instituições que lhes permitam aproveitar as forças do capitalismo industrial e informático. As sociedades que não podem ou não querem iniciar este caminho terminarão por ser sujeitos passivos da história, pois não existe uma terza via.

A segunda parte do livro de Francis Fukuyama recebeu muita menos recepção que a primeira, porque é menos condescendente com o Ocidente. Ao investigar como seria uma sociedade pós-histórica fez uma descoberta inquietante, pois num mundo onde os grandes temas estão concluídos e a geopolítica foi subordinada à economia, a humanidade parecer-se-ia muito ao “último homem” niilista descrito pelo filósofo Friedrich Nietzsche, ou seja, um consumidor narcisista com aspirações que não vão além do próximo passeio por um centro comercial, ou seja, a diferença dos seus rivais menos estáveis e menos produtivos, os cidadãos das sociedades pós-histórica, não estão preparados para fazer sacrifícios, preocupam-se apenas com o imediato, divertem-se com facilidade e são destituídos de coragem.

 As sociedades povoadas pelos últimos homens e mulheres de Nietzsche fazem uma interpretação errada e menosprezam os seus presumíveis opositores primitivos que habitam sociedades supostamente atrasadas, sendo um ponto fraco que poderia, pelo menos por algum tempo, ofuscar as suas outras vantagens.

 

 

Jorge Rodrigues Simão, in “HojeMacau”, 01.08.2014

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