JORGE RODRIGUES SIMAO

ADVOCACI NASCUNT, UR JUDICES SIUNT

O fim do final da história

People Power and the End of the Cold War

Endhistory

“The balance of power in Eurasia, the great question which forced the United States into two world wars and a long cold war, largely disappeared from American policy thought.”

The End of History Ends

The American Interest

 2 December, 2013

Walter Russel Mead

 

A preocupação pelo desgaste do poder dos Estados Unidos foi exposta com bastante clareza pelo politólogo americano Walter Mead, no texto intitulado “The End of History Ends”, publicado na revista “The American Interest” na qual é editor, em 2 de Dezembro de 2013, afirmando que as tentativas do presidente americano para se afastar dos compromissos da administração do seu antecessor têm fortalecido a China, o Irão e a Rússia que denomina de “potências centrais”.

 

Os Estados Unidos têm vindo a mostrar uma conduta de aparente retirada, o que faz crer nesses rivais da geopolítica que encontraram uma forma de desafiar, e em última instância de alterar a forma como funciona a política global. Existe na realidade uma coligação cada vez mais poderosa das ditas potências não liberais que estão decididas a desfazer o acordo conseguido depois da Guerra Fria e a ordem global imposta e sustentada pelos Estados Unidos.

O alarmismo que o politólogo americano criou é suportado por uma enorme má interpretação das realidades modernas do poder, pois faz uma leitura incorrecta da lógica e da natureza da actual ordem mundial, que é mais estável e alargada do que defende, levando-o a sobrestimar a capacidade do núcleo de potências centrais para o enfraquecer. E é também uma má interpretação da China e da Rússia, que não são totalmente forças revisionistas senão, quando muito, consumidoras de recursos naturais não renováveis de médio prazo, tão desconfiadas uma da outra como do mundo exterior.

É verdade que procuram oportunidades para resistir à liderança mundial dos Estados Unidos e quer actualmente, como antes, resistem especialmente, quando a confrontação é próxima das suas fronteiras. Tais conflitos, parecem ser mais impelidos por algumas das suas fragilidades do que por real robustez. Quando se trata de litigar por grandes interesses a Rússia, e especialmente a China, estão profundamente integradas na economia mundial e nas instituições que a governam.  

O professor Mead faz igualmente uma errónea interpretação quanto à força da política externa americana, pois considera que desde o final da Guerra Fria, os Estados Unidos ignoraram os problemas geopolíticos sobre territórios e as esferas de influência para adoptar uma ingénua estratégia dando ênfase na construção da ordem global. Trata-se de uma falsa dicotomia, pois se os Estados Unidos não se preocupam com as questões de ordem global, como o controlo armamentista ou o comércio, não é porque presumam que o conflito geopolítico terminou, mas fundamentalmente porque querem controlar a disputa entre as grandes potências.

A construção da ordem mundial não pressupõe o fim da geopolítica, mas sim de responder às grandes questões da geopolítica. A ordem global, na realidade, liderada pelos Estados Unidos não começou com a Guerra Fria, mas quando dela saiu vencedor. É de considerar que nos cerca de setenta anos desde o termo da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos realizaram denodados esforços por criar um sistema de instituições multilaterais, alianças, acordos comerciais e associações políticas. Tal projecto, ajudou a atrair países para a sua órbita e fortaleceu normas globais que diminuem a legitimidade de esferas de influência idênticas às do século XIX, as tentativas de domínio regional e os ataques territoriais como o realizado pela Rússia na Crimeia e a tentativa aparentemente camuflada de apoderar-se de regiões no Leste da Ucrânia.

Tudo, deu aos Estados Unidos as aptidões e associações para enfrentar as potências centrais e outras na actualidade. O professor Mead defende a ideia de que a China, o Irão e a Rússia procuram estabelecer as suas esferas de influência e desafiar os interesses dos Estados Unidos, lenta mas de forma sustentada tentando dominar a Eurásia e assim ameaçar a potência americana e o resto do mundo.

A esta visão escapa-lhe uma realidade mais profunda, uma vez que em questões de geopolítica, bem como de demografia, política e ideias os Estados Unidos tem uma franca vantagem sobre China, o Irão e a Rússia, mesmo sendo certo que não detém a hegemonia que ocupou durante a era unipolar, o seu poder ainda não tem oposição que seja objecto de alarme.

As suas vantagens comparativas em termos de riqueza e tecnologia estão ainda fora do alcance da China e da Rússia, e muito menos do Irão. A sua economia em recuperação, apoiada pelos novos e imensos recursos naturais, permite-lhe manter uma presença militar no mundo e múltiplos acordos de segurança. Os Estados Unidos possuem uma habilidade natural para conquistar amigos e influenciar países.

Os Estados Unidos têm acordos militares com mais de sessenta países, enquanto a Rússia só tem oito aliados oficiais e a China um que é a Coreia do Norte. As alianças dos Estados Unidos têm a dupla vantagem de oferecerem uma plataforma global para a projecção do poder americano e distribuir o suporte resultante da promessa de segurança.

As armas nucleares, que possuem os Estados Unidos, a China e a Rússia, ajudam o país ocidental de duas formas, sendo a primeira, devido à lógica da segura destruição mútua, reduzem a probabilidade de uma guerra entre potências e a segunda dão à China e à Rússia a segurança de que Estados Unidos nunca os invadirão.

A geografia reforça as outras vantagens dos Estados Unidos, dado que são o único país não rodeado por outras grandes potências, tornando-o menos ameaçador para outros países, ou seja, na Ásia muitos países vêem a China como maior perigo potencial, devido à sua proximidade. Á excepção dos Estados Unidos, todos os demais grandes países vivem em apertada vizinhança geopolítica, onde as mudanças no poder sempre provocam reacções.

A China está a descobrir essa dinâmica actualmente, quando os países que a rodeiam reagem à modernização dos seus exércitos e reforçam as suas alianças. A Rússia viveu essa experiência durante décadas e está desde há alguns anos a viver com a Ucrânia, que nos últimos anos aumentou as suas despesas militares e tenta aproximar-se cada vez mais da União Europeia, com as consequências que sabemos e resultaram na anexação da Crimeia e na guerra civil no leste do país entre as forças nacionais e os separatistas pro-rússia, apoiados por esta.

A visão apresentada pelo politólogo americano sobre uma luta pela Eurásia entre Estados Unidos e a China, o Irão e a Rússia, faz antever uma transição em processo, que é a crescente ascendência da democracia capitalista liberal. A difusão dessa democracia no mundo, que começou no final da década de 1970 foi acelerada depois da Guerra Fria, fortaleceu de forma notável a posição dos Estados Unidos e estreitou o círculo geopolítico ao redor da China e da Rússia.

A China está perto de atingir e ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo, como consta do “International Comparison Program” do Banco Mundial. O programa, que compara os níveis de vida nos diferentes países, mostra este ano, os números da economia chinesa, situando-a a um passo de se converter na maior do mundo medida por poder aquisitivo.

 O gigante asiático continua fiel ao conselho do pai da sua reforma, Deng Xiaoping, quando afirmou “esconde o teu brilho e aprecia a escuridão”, modéstia que reflecte um claro sentido da realidade. A China é um país de rendimentos médios, com um rendimento “per capita” um pouco inferior ao de Perú. As suas capacidades tecnológicas estão muito atrás dos Estados Unidos e outras economias ocidentais, inclusive do Japão, seu histórico adversário. Militarmente não tem a influência global dos Estados Unidos, carecendo de poderes de persuasão.

O seu sistema político e os dois sistemas económicos que possui, ainda não se tornaram suficientemente atraentes para influir a opinião global, apesar das contínuas aberturas e reformas positivas que tem vindo a efectuar. Os seus aliados mais próximos são a Coreia do Norte e o Paquistão. A evolução económica da China mudou o mundo, ao converter-se na manufactura mais barata do planeta, baixando o custo dos produtos fabricados, fazendo aumentar por consequência o poder aquisitivo dos consumidores.

O efeito negativo é o da concorrência de centenas de milhões de trabalhadores chineses terem obrigado a reduzir os salários no mundo ocidental. A China como enorme importador de matérias-primas começou a alterar o destino dos exportadores de mercadorias de todo o mundo.

 

Jorge Rodrigues Simão, in “HojeMacau”, 15.08.2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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