“A amplitude dos sobressaltos da sociedade ocidental aproxima-se do limite para lá do qual o sistema perderá o equilíbrio e se desmoronará. A violência, cada vez menos estorvada por restrições impostas por séculos de legalidade, incendeia o mundo inteiro, pouco se preocupando em saber que a história demonstrou o seu carácter estéril. Pior ainda. Não é apenas a força bruta que triunfa exteriormente, mas a sua justificação entusiasta. O mundo é arrastado pela convicção cínica de que a força tudo pode, a justiça nada.”
Extracto do discurso que Alexandre Soljenitsyne teria pronunciado se tivesse podido receber o Prémio Nobel da Literatura de 1970
O mundo é varrido por um furacão de violência. A criminalidade comum, roubos à mão armada, arrombamentos, “hold up”, violações, raptos, prostituição, pedofilia, extorsões, violência doméstica, aumenta a um ritmo de 17 por cento ao ano.
As grandes metrópoles urbanas transformaram-se em selvas. Cidades como Nova Iorque, Los Angeles, São Paulo e Cidade do México, os gerentes dos hotéis aconselham os hóspedes a aferrolharem-se nos seus quartos. O terrorismo expande-se alegremente, após os atentados de 11 de Setembro de 2001, sem que as invasões do Afeganistão, lideradas pelos Estados Unidos a 7 de Outubro desse ano, e do Iraque a 20 de Março de 2003, tenham surtido qualquer efeito, antes agravado a situação.
Ultrapassa-se o sadismo nos textos de livros, revistas e jornais, televisão e filmes, redes sociais e nos actos quotidianos. Como que atacado por vírus, o mundo cobre-se de manchas de regimes totalitários, agravando as condições socioeconómicas dos respectivos povos, como o da Líbia, governado há 42 anos por um sanguinário psicopata, o coronel Muammar Khadafi, que conta entre as suas actividades, o atentado do avião da “Pan Am”, a 21 de Dezembro de 1988, quando sobrevoava a cidade de “Lockerbie”, na Escócia, tendo morto 270 pessoas, das quais 189 eram americanos, e financiado o grupo terrorista “Setembro Negro”, que assassinou 11 atletas israelitas na Aldeia Olímpica, em Munique, a 5 de Setembro de 1972.
Os líbios inspirados pelas revoluções que derrubaram os ditadores na Tunísia e no Egipto, tumultuam-se a 15 de Fevereiro na capital, estendendo-se ao Leste do país, e à segunda cidade Bengasi, que é tomada pela oposição, que constitui o conselho para a transição, reconhecido como governo provisório pela França.
Entretanto, o sanguinário coronel indiscriminadamente, começa a bombardear o país, tendo provocado mais de 6 mil mortos e 200 mil refugiados. Os Estados Unidos decretam sanções a 25 de Fevereiro, e a ONU suspende o país do Conselho de Direitos Humanos, autorizando o Tribunal Penal Internacional, a investigar crimes de guerra cometidos por Khadafi durante a repressão.
A União Europeia segue dias depois a decisão americana na tomada de sanções contra a Líbia, e a Suíça congela os investimentos da família Khadafi. No dia 4, é emitido pela Interpol, um alerta contra o líder líbio e os seus colaboradores mais próximos. No dia 10 os Estados Unidos cortam relações diplomáticas com a Líbia, e estacionam navios e aviões no Mar Mediterrâneo.
A NATO discute a zona de uma exclusão aérea no país. Muitas são as medidas tomadas, mas na prática os efeitos são nulos, e perante tal impassibilidade da comunidade internacional, e principalmente dos Estados Unidos, sob efeito da designada “doutrina Obama”, pelos republicanos, de que mais vale avisar que intervir, Khadafi continua animadamente a bombardear o país, estando prestes a retomar o poder sobre Bengasi.
Os regimes totalitários vão assim imolando milhares dos seus cidadãos num interminável holocausto, como uma lepra dos antigos campos de concentração nazi a espalhar-se; os espíritos são decompostos em hospitais psiquiátricos pelo mundo e a maioria vive em tratamento ambulatório com a síndrome do século e milénio, que é a depressão.
Seres humanos que querem viver em liberdade, são dilacerados pela metralha de quem tem a obrigação natural de os defender. O terrorismo torna-se global, tendo começado pelo sequestro, a seguir com bombas, empolando-se em motins e massacres. Crianças começaram por servir de reféns, ali, bairros saqueados, noutro local armazéns e escolas incendiadas, seguidos de assassinatos e aviões desviados e que propositadamente colidem contra o coração económico-financeiro dos Estados Unidos, seguido de bombas nos metros de Madrid, a 11 de Março de 2004 e de Londres, a 7 de Julho de 2005. O terrorismo é a invenção mais perniciosa depois da bomba atómica.
Aos que se lamentam perante este quadro, alguns espíritos retorquem de que neste mundo nada de novo acontece, que através dos tempos sempre a violência existiu, que é uma emanação inevitável da natureza essencialmente agressiva do homem. E, de facto, não é difícil desfilar os horrores que fazem de toda a história humana um longo caminho de sangue.
Os Assírios exilavam povos inteiros para deles fazer escravos e perfuravam os olhos dos seus prisioneiros. Os Romanos esventraram 700 mil Cartagineses, arrasaram a cidade até ao solo, tendo-a de seguida lavrado e salgado. Os Mongóis devastaram tudo e bebiam no crânio das suas vítimas. Os barões, duques e reis das Idade Média passavam a vida, a tingir as aldeias e as cidades de sangue derramado pela sua soldadesca guerreando sem parar por um fortim, uma província, uma coroa ou uma sucessão.
Os piratas sarracenos incendiavam, pilhavam e capturavam. Os Cruzados entraram em Jerusalém e massacraram tudo o que mexia. A Inquisição cobriu a terra de braseiros onde uivaram homens. O São Bartolomeu é a noite mais sinistra no topo da mais maldita guerra de religião. Enquanto os conquistadores aplicavam aos Índios as próprias torturas e outros escalpes de Peles-Vermelhas, deixavam o seu país, a Espanha, coberta de forcas, e ninguém aí podia sair à noite sem uma escolta armada.
A partir de Setembro de 1793 até Julho de 1794, guilhotinaram-se na doce França 17 mil pessoas a bem da “Liberté, Egalité, Fraternité”, divisa da Revolução Francesa, que se iniciou a 5 de Maio de 1789 e que durou dez anos. Nos Estados Unidos lincharam-se os negros. Nas colónias civilizaram-se povos pelo ferro e pelo fogo.
Tudo isto não é senão demasiado verdadeiro. No entanto, esta forma de afogar o peixe diluindo o grave fenómeno actual da década que passou, e desta que se iniciou da violência numa filosofia desiludida da eterna natureza humana, não respeita os factos. Pois, vendo melhor, não é verdade que a história humana mostre um nível de violência constante.
Correndo o risco de tudo baralhar para nada compreender, é preciso distinguir a violência civil, que se exerce em tempo de paz no interior dos Estados, de cidadãos contra cidadãos, ou de Estado contra os seus súbditos, ou de súbditos contra o Estado, da violência militar, que traz a guerra entre Estados.
No que diz respeito à violência civil, é certo que a sua intensidade média, através de sobressaltos aqui e ali, não deixou de diminuir desde a Antiguidade, e com muita força ao longo do século XIX e durante a primeira metade do século XX. Só o plano da violência Estado contra cidadãos, conheceu uma súbita labareda com os atrozes massacres políticos ou raciais perpetrados pelos regimes totalitários modernos, e pelos Estados que se dizem campeões da liberdade e dos direitos humanos, contradizendo-se através das suas criminosas acções de invasão, destruição, morte, massacre e provocação de guerra civil nos países invadidos.
É um grave fenómeno. Mas desde 1920 até 1960, nas sociedades ocidentais em 10 mil pessoas que não procuravam conflitos 0,001 por cento podia viver, sem ter tido que sofrer uma única agressão violenta. No período de 1960 a 2000 a percentagem duplicou e em 2010 triplicou.
A segurança das pessoas integrava-se na ordem social, quase normalmente. Neste plano civil, a antiga maldição da violência tinha sido finalmente dominada, como fora a antiga maldição do pauperismo. Recrudesce com redobrada violência ambas neste século e milénio para mal dos cidadãos atingidos em particular, e do mundo em geral.