Os riscos globais são o teste de fiabilidade mundial das formas de governo ou de sistemas políticos, económicos, financeiros e sociais, podendo ser interpretados como uma advertência, acerca dos tipos de doença de que padecem a merecer imediato tratamento. Os dois epicentros fulcrais dos riscos que o mundo irá enfrentar este ano, situam-se no prolongamento da crise financeira global que apresenta cada vez mais contornos ocidentais, e no surgimento de fenómenos meteorológicos de grande intensidade, fruto das alterações climáticas.
Os sondados demonstram uma enorme preocupação com a evolução da dívida pública dos países em relação ao seu PIB, às diferenças salariais e às alterações climáticas. O risco global considerado, como o mais provável de acontecer nos próximos dez anos, é o das graves disparidades de rendimento, e o de maior impacto é o de colapso de todo o sistema financeiro, resultante do arrastar da crise financeira global. Os outros dois riscos que aparecem entre a lista dos cinco de maior impacto são os graves desequilíbrios fiscais crónicos, que os países terão de enfrentar nos próximos anos, e uma crise de abastecimento de água.
Quanto ao passado ano, a nível ambiental, a primeira referência vai para o ciclone “Sandy” que assolou a costa leste dos Estados Unidos, a 29 de Outubro, tendo sido decretado o estado de emergência nos Estados de Nova Iorque, Nova Jersey e Long Island, paralisando várias cidades, em que milhões de pessoas ficaram sem energia eléctrica em dezoito Estados federados, tendo áreas densamente povoadas sido evacuadas, e afectado cerca de 80 milhões de pessoas e provocado 20 mil milhões de dólares de prejuízos, além quatro dezenas de mortos.
Os cientistas atribuíram um nexo de causalidade entre o ciclone e as alterações climáticas, dado que a sua formação no Atlântico Norte, se deve a uma variação natural da temperatura da água do oceano, a cada período de 50 anos. A área que se estende pelo litoral do Nordeste do Brasil, Caraíbas, (América Central) até à proximidade da Groenlândia e inclui a Costa Leste dos Estados Unidos, desde 1995, que tem vindo a registar aumentos na temperatura da água.
A segunda referência a nível ambiental vai para as inundações na China, nomeadamente, as mais fortes chuvas das últimas seis décadas que caíram em Pequim, a 22 de Julho, causando cerca de seis dezenas de mortos e milhares de desabrigados. O terceiro lugar da lista dos riscos globais é dado ao aumento das emissões de gases de efeito de estufa. A falta de adaptação às alterações climáticas é considerada como um risco ambiental que pode ter efeitos devastadores no futuro próximo.
A capacidade dos Estados de regressarem ao “status quo ante”, depois de sofrerem alterações graves e inesperadas, com forte impacto nas condições de vida dos seus habitantes, é um dos riscos globais mais preocupantes, e aos quais devem dar prioridade, elaborando e pondo em prática políticas que os previna antes da doença atacar e alastrar, ao contrário da malévola “Crise do Euro”, previsível e resultado da “má governança”, a nível nacional e regional, sem pena por inexistir culpa, (nulla poena sine culpa) ou seja a total inexistência de responsabilidade penal por desatinadas governações, que docemente descansam na falta de responsabilidade ético-social.
Os três principais riscos globais resumidos recaem sobre a saúde e a altivez, uma vez que os enormes avanços da medicina fizeram o mundo cair numa perigosa auto satisfação, entendida como a doença do sucesso. A crescente resistência aos antibióticos poderia levar os sistemas nacionais de saúde (onde existam), que suportam uma carga excessiva (burocracia e absentismo representam, nalguns sistemas de saúde uma percentagem considerável), à quase ruptura (nalguns países entrou sem ter começado, pelo que inexiste preocupação governamental, que é louvável), num mundo cada vez mais globalizado, proporciona a propagação de pandemias.
Tal risco baseia-se nas ligações existentes entre a resistência aos antibióticos, as doenças crónicas e as lacunas do regime internacional de propriedade intelectual, sendo recomendável uma maior colaboração ou cooperação internacional e novos modelos de financiamento. O relatório apenas por olvido, omitiu o princípio fundamental, que é o dos Estados membros da ONU, seguirem estritamente a declaração da “Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS)”, que entre muitos outros princípios constantes do preâmbulo, refere: “Os Estados partes nesta Constituição declaram, em conformidade com a Carta das Nações Unidas (direitos humanos incluídos), que os seguintes princípios são básicos para a felicidade, as relações harmoniosas e a segurança de todos os povos: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de lesões ou doenças”.
O que significa, que a medicina moderna dividiu o corpo humano, seccionando-o em especialidades médicas, continuamente mais super especializadas, que os médicos cada vez sabem mais de menor parte do corpo humano. Fizeram do homem um “quebra-cabeças”, esquecendo-se que ao juntar todas as peças, nunca resultará um ser humano. Sairá um corpo, mas o que está doente é a pessoa, não o corpo.
Aos Estados que não possuem um “Sistema Nacional de Saúde”, tal como é entendido e prescrito na declaração constitutiva e documentos complementares da “OMS”, e para os que o implementaram bem ou mal, terão desde logo e atrasados vão, de humanizar a medicina. Que animal será este, parafraseando, Jacques Delors, acerca da União Europeia?
A medicina humana é uma área do conhecimento, que considera a doença como parte da personalidade, alienada, coisificada de perturbações da vida presente e passada. Todo o fenómeno humano é sempre ao mesmo tempo biológico, psicológico e social. É nesse triplo aspecto que deve ser considerada a pessoa doente e não apenas no aspecto físico, objecto da aplicação de terapias, muitas das vezes como experimentações instrumentais ou para estudo de estagiários, com total desprezo pelo aspecto psíquico e social.
O acordo a estabelecer com o ser humano sofredor não é apenas contra a doença orgânica, mas exige a reconciliação entre o orgânico e o psíquico. O médico deve ir ao encontro do sofrimento do doente, motivado por problemas orgânicos, psicológicos e sociais, ou seja, médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde, no qual incluo por razões óbvias, com as limitações inerentes, os assistentes sociais, não só devem conhecer as doenças orgânicas e as terapias correspondentes, mas também as psicológicas e as sociais.
Se assim não for, não vemos que diferença exista, entre o médico e o veterinário no devido respeito que ambos merecem nas suas respectivas áreas de actuação. Assim, e no desenvolvimento futuro que faremos, a propósito ou a despropósito sobre este tema, mas supondo que sempre valha a pena, no sentido de o alargar e aprofundar “wider and deeper”, na consideração de que efectivamente um dos maiores riscos globais não apenas do corrente ano, mas do futuro, é o da desumanização da medicina, cujo combate imediato urge, que atrasado vai, resgatando o princípio fundamental constitutivo da OMS, e subscrito pelos Estados membros da ONU.
A declaração da “Constituição da OMS”, foi adoptada pela “Conferência Sanitária Internacional”, celebrada em Nova Iorque, de 19 de Junho a 22 de Julho de 1946, e assinada no mesmo dia, pelos representantes de 61 Estados, tendo entrado em vigor a 7 de Abril de 1948. Todos os nove princípios constantes do preâmbulo da declaração constitutiva da “OMS”, são de enorme importância, até para a “paz no mundo”, bem como todos os demais, e normas contidos nos 82 artigos que a compõem.
A desumanização e a fragmentação da medicina moderna, muitíssimo tecnificada, a deterioração da relação médico – paciente que urge resgatar, os hospitais sem condições higiénico-sanitárias, a insatisfação e descontentamento dos utilizadores, que adquire uma especial importância em determinado tipos de pacientes, como os neurológicos, cancerosos, vítimas de doença coronária e os terminais, estes últimos, que raramente irão usufruir das vantagens da alta tecnologia, mas que no entanto sofrem todos os seus inconvenientes.
A somar à desumanização da medicina existe o segundo risco global associado, que é o de saber qual o papel do direito na protecção dos doentes internados ou não, em particular determinado tipos de pacientes, como os neurológicos, cancerosos, vítimas de doença coronária, os de avançada idade e terminais e as suas famílias, face às perturbações de que muitas vezes são vítimas causados por terceiros, que de forma intencional e premeditada pretendem romper um equilíbrio emocional frágil que o doente e a família vivem e que inevitavelmente a ambos atinge, agravando a doença, quando não mesmo produzindo a morte.
O internamento em termos culturais é sempre ligado a um agravamento do estado de saúde do doente e de proximidade da morte. A responsabilidade pelo tratamento do doente internado é partilhado pela equipa médica e família, que são os cuidadores do doente, e prestar assistência à família de um doente internado nos tipos referidos, é como assistir o doente, uma vez que em internamentos prolongados e aquando da revelação do diagnóstico e seu tratamento, a vida dos familiares com quem o doente vive muda radicalmente, assim como os sentimentos e comportamentos.
A experiência e os estudos demonstram que a forma como o doente vive e a relação que mantém com os familiares é determinante para o tratamento e todas as fases sequentes. A maioria da legislação penal trata este tipo de situações, enquadrando-a na tipologia comum, quando deve revestir sensível e especial tratamento. Os dois principais e restantes riscos globais são a pressão exercida sobre a economia e o meio ambiente e as crises digitais.