“We need to love and respect the Earth with same intensity that we give to our families and our tribe; our contract with Earth is fundamental, for we are apart of it and cannot survive without a healthy planet as our home.”
Gaia-A New Look at Life on Earth
James Lovelock
É impossível imaginar ou prever qualquer acontecimento suficientemente empolgante que nos leve a renunciar à poluição, mas é possível ter presente uma história acerca de um problema ambiental que atingiu uma civilização ocidental imaginária há quinze mil anos.
Quando os nossos antepassados imediatos apareceram na Terra, há dois milhões e meio de anos, o planeta estava a mudar, passando da fase em que o clima era comparativamente constante para outra, em que o clima alternava periodicamente entre períodos glaciares e interglaciares.
As épocas glaciares eram longas; duravam cerca de noventa mil anos. Nos Invernos muito frios, o gelo chegava a 45º do equador. Os períodos quentes, os interglaciares, eram breves, duravam cerca de doze mil anos, e o clima era semelhante ao nosso. Imaginemos que a civilização se industrializou há quinze mil anos.
Tal facto exige um aumento de apenas 0,5 por cento no ritmo de evolução da sociedade humana. Imaginemos uma civilização muito parecida com a nossa, mas que existiu há quinze mil anos. Tão desenvolvida e poluída como a actual. A principal diferença consistia no facto de a Terra se encontrar então na fase fria de uma época glaciar.
O clima na região correspondente ao Reino Unido, seria como o actual clima da Islândia e os habitantes eram escassos. O nível dos oceanos era inferior em cento e vinte metros ao actual. Uma vasta área da Terra, sobretudo junto do equador, que se encontra submersa, era seca e habitada. Imaginemos que a civilização se desenvolveu e industrializou algures na região do Japão e da China.
Os invernos frios, que criavam a necessidade de habitação e de aquecimento, estimulavam a invenção. A região também era rica em carvão, petróleo e jazidas de minério. Pouco depois, estes recursos foram explorados e seguiu-se uma rápida escalada através da força da água e do vento para produzir electricidade e energia nuclear, tal como aquela que assistimos apenas há dois séculos.
Gases de estufa, dióxido de carbono e metano provenientes da agricultura extensiva começaram a formar-se e pouco depois o clima aqueceu sensivelmente. Uma grande parte do mundo civilizado ficava nas zonas tropicais, e estas estavam a tornar-se desconfortavelmente quentes para os seus habitantes.
Os países do hemisfério norte eram eficientes na produção de bens de consumo. Eram como os ingleses da época vitoriana, ou como os japoneses actuais. As necessidades impulsionam a invenção, e pouco tempo depois os frigoríficos que usavam clorofluorcarboneto (CFCs), saíam das linhas de produção e eram enviados pelo mundo para serem vendidos. Passado algum tempo, os cientistas começaram a perceber que o ambiente global estava a mudar.
Alguns constataram que os CFCs que se libertavam dos frigoríficos acumulavam-se no ar sem que fosse possível removê-los. Descobriram então, que os CFCs constituíam uma ameaça para a camada de ozono e que, se o seu aumento progredisse, o ozono existente na estratosfera diminuiria de tal modo que muitas pessoas, em especial as de pele clara, corriam o grave risco de contrair cancros de pele devido à exposição aos raios ultravioletas provenientes da luz solar.
Houve uma explosão de advertência nos meios de comunicação social quanto a essa ameaça, e os subsídios destinados à investigação científica surgiram em abundância nunca vista. Os governos tinham relutância em agir, porque sabiam que os CFCs eram inofensivos dentro de casa e eram os gases refrigerantes mais eficientes que existiam, Além disso, eram o sustentáculo de uma indústria vasta e rentável.
Também se mostravam relutantes, porque não havia provas de que os raios ultravioletas tivessem aumentado ao nível do solo; de facto havia mesmo um decréscimo. Portanto, nada foi feito para impedir que os CFCs aumentassem a um ritmo de 10 por cento ao ano.
Alguns cientistas sentiram-se frustrados porque sabiam que a verdadeira ameaça proveniente dos CFCs não era a depleção do ozono, mas a sua capacidade de bloquear a fuga de radiações de calor para o planeta. Os CFCs, tal como os gases de estufa, são dez mil vezes mais potentes do que o dióxido de carbono.
O medo do cancro parece sempre transcender outros perigos e, por conseguinte, a depleção do ozono era o tema a que se dava mais atenção. O calor provocado pelo efeito de estufa era conhecido, mas encarado como uma dádiva, porque afinal o mundo era frio. Ninguém sabia então que daí a dois mil anos o planeta estava destinado a dar um dos seus saltos característicos para uma época interglaciar. Na era glaciar as regiões polares eram tão inóspitas que não havia quaisquer elementos retirados das amostras de gelo, como aqueles que possuímos, para nos ajudar a compreender o passado.
O aumento da temperatura daí a dois mil anos teria lugar, porque a posição da Terra em relação ao Sol estava a mudar de tal modo, que o calor solar se elevava. Registaram-se pequenos aumentos no calor solar, que, por si sós, não eram suficientes para precipitar um período interglaciar, mas no fim de uma era glaciar, o planeta ficou extremamente sensível a pequenas perturbações.
Uma minoria de cientistas defendeu que o calor crescente proveniente da poluição, causada pelos gases de estufa, começaria a derreter as camadas superficiais de gelo e provocaria a inundação de florestas tropicais situadas a baixa altitude. Por sua vez, dessa situação resultaria a libertação de grandes massas de gás metano, à medida que a vegetação fosse apodrecendo debaixo de vários metros de água do mar.
O metano agravaria o efeito de estufa e consequentemente aumentaria o aquecimento e, pouco depois, devido a um processo positivo de realimentação, o planeta aqueceria e o calor derreteria as vastas camadas de gelo das regiões polares. Esses cientistas alertaram para a hipótese de o nível do mar poder aumentar cento e vinte metros. O suficiente para alagar todas as grandes cidades do mundo. Então, tal como agora, quase todos os centros civilizacionais estavam quase ao nível do mar.
Estas afirmações foram recebidas com desprezo. A depleção do ozono e os perigos da energia nuclear constituíam os principais motivos de interesse para os governos e para os ambientalistas. Pouco depois, os CFCs atingiram cinco partes por bilião de ar e os buracos surgiram por cima dos pólos. Por si sós, os buracos de ozono não tiveram consequências, visto que não havia vida nas regiões polares da era glaciar, mas a sua existência foi suficiente para alterar o equilíbrio em proveito da legislação que proibia o uso de CFCs.
Infelizmente, era tarde demais, porque o equilíbrio de estufa também se alterara e o planeta assemelhava-se então a um barco que navegava à beira de uma cascata, deslocando-se cada vez mais depressa para o calor da era interglaciar. O gelo polar estava a derreter-se, e daí a alguns séculos toda a civilização da “Atlântida” ficaria submersa. A lenda relativa a um dilúvio e a um grande império submarino perdurou.
A função que compete a cada ser humano ao serviço permanente do planeta, deve assemelhar-se à de um orgulhoso sindicalista. Não devemos ser gestores nem donos do planeta, mas apenas sindicalistas; trabalhadores que pela nossa inteligência fomos escolhidos para representarmos outros seres vivos.
O nosso sindicato deve representar as bactérias, os fungos, os bolores e os invertebrados, assim como os peixes, as aves, os répteis e os mamíferos e o universo das árvores e das plantas inferiores. Todos os seres vivos são membros do sindicato, e enfurecem-se com as diabólicas liberdades, que nós seres humanos nos permitimos tomar, em relação ao planeta e aos outros seres que nele vivem.
Os seres humanos devem viver em união com os outros membros, não explorando nem devastando os seus “habitats”. Ao vermos a penúria que nos auto-infligimos e aos demais seres, somos obrigados a assumir o papel de sindicalistas. Todos os seres vivos tem de ser sensibilizados e educados a viver em parceria com o planeta; de outro modo, o resto da criação, que também faz parte da “Geia”, arrastará inconscientemente o planeta para uma nova fase, na qual os seres humanos deixarão de ser bem-vindos.