“The sustainable use of biodiversity is one of the three key objectives of the 1992 "Convention on Biological Diversity". To achieve this, sound conservation practice has to be recognized as beneficial and implemented by all who access, or use it – from subsistence farmers to skiers and pharmaceutical bioprospectors. At the same time, indigenous peoples necessarily utilize enormous numbers of plants, fungi, and fish, particularly for foods and medicines.”
Human Exploitation and Biodiversity Conservation
David L. Hawksworth and Alan T. Bull
A indústria e a actividade empresarial em geral descobriram há muito que a sabedoria autóctone significa dinheiro. Nos primórdios do colonialismo, os produtos extractivos, as denominadas drogas do sertão, no Brasil, constituíram os alicerces da riqueza colonial. Actualmente as indústrias farmacêuticas são as maiores exploradoras dos conhecimentos médicos tradicionais que criam produtos de grande utilidade e lucro.
Os povos nativos raramente lucram com a comercialização da sabedoria tradicional, ou dos produtos naturais que foram descobertos nas suas sociedades. Menos de uma milionésima parte dos lucros provenientes de medicamentos criados a partir da medicina tradicional, vão parar às mãos dos povos indígenas que os indicaram aos investigadores.
O interesse crescente e os mercados florescentes de alimentos, medicamentos, produtos agrícolas e de beleza naturais, testemunham a actividade de investigação que se desenvolve no seio dos sistemas de conhecimento tradicional. Mais do que nunca, os direitos de propriedade intelectual dos povos nativos têm de ser protegidos e a compensação justa por esse conhecimento tem de ser garantida.
Não se pode confiar apenas na boa vontade das empresas e das instituições para se fazer justiça aos povos indígenas. Se o mundo permanecer na impassividade, a exploração daquilo que o conhecimento indígena tem de melhor, não porá termo à mais derradeira e recente forma de exploração dos povos nativos.
É necessário um reordenamento de prioridades e de valores, traduzido num novo código de etnoética. O código não dependeria de quaisquer leis ou convenções internacionais, não seria legislado em congressos ou parlamentos, nem dependeria de direitos de autores ou de patentes.
Seriam os cientistas a explicar aos nativos que estudam o que fazem, e porque a sua actividade é importante para a sociedade. Os investigadores ou as instituições que os representam, assinariam voluntariamente contratos com grupos nativos, garantindo uma percentagem dos lucros provenientes de medicamentos, filmes, livros e novas espécies vegetais conforme foi apontado pela “Sociedade Internacional de Etnobiologia”, resultante do “I Congresso Internacional de Etnobiologia” realizado em Belém, no Brasil, em 1988. Resultou igualmente, a “Carta ou Declaração de Belém”, que estimula ao desenvolvimento de uma relação responsável e ética dos etnobiólogos e etnoecólogos.
As empresas garantiriam preços excelentes para os produtos naturais, auxiliariam os povos locais a tirarem partido dessas matérias-primas e a beneficiarem das suas actividades, ajudá-los-iam a comercializar os produtos e entregariam uma percentagem dos lucros à comunidade. As equipes de cinema e televisão pagariam generosamente a filmagem dos povos nativos e entregar-lhes-iam uma parte dos lucros.
É preciso todavia, reconhecer que a real e efectiva implementação desta nova ética ecológica e etnológica, faz que as excepções infelizmente excedam as regras, pelo que é importante que tais ideais assentem firmemente em leis internacionais que protejam, em termos jurídicos, os direitos de propriedade dos povos nativos.
A educação do consumidor, auxiliado pela fiscalização governamental e das organizações não governamentais, tem um longo caminho a percorrer, para que um novo código ético realmente funcione. Os consumidores informados saberiam estabelecer grandes diferenças nos padrões de produção do passado, e podem fazê-lo no presente e futuro.
Talvez seja o momento da existência de uma democracia de consumidores internacional, que permita a todos os consumidores agirem de forma responsável, que afecte directamente os habitantes e os recursos naturais do planeta.
Os recursos planetários estão a ser explorados até à exaustão, devido aos níveis de consumo actuais e a crise sistémica global, recessão mundial e as catástrofes resultantes das alterações climáticas submete o mundo a um derradeiro teste ecológico e social.
Para que a democracia de consumidores funcione, têm de ser criados produtos alternativos, e os existentes têm de apresentar um custo mais reduzido, que permita um consumo mais alargado por um mundo em crise económica e financeira, e os consumidores educados para as vantagens sociais e ecológicas desses produtos.
Projectos que funcionem junto das comunidades nativas, para que estas desenvolvam os seus produtos naturais, os seus mercados e os seus circuitos de distribuição teriam enorme sucesso.
Os projectos em que fossem utilizados plantas medicinais ou comestíveis nativas, ou preparados cosméticos, tivessem o cuidado de estudar o impacto ecológico e social das decisões de gestão e trabalhassem com as comunidades para determinar o que seria uma compensação justa, seriam mais eficazes do que centenas de leis nacionais e internacionais.
O mecanismo do que é a justa compensação e o modo como esses lucros seriam distribuídos, abrem uma “Caixa de Pandora”. Mas não abrir essa caixa, corresponde a aceitar a responsabilidade moral e ética do paternalismo dos habitantes dos países mais desenvolvidos, que arrogantemente pretendem saber o que é bom para os nativos, porque cometeram o erro de dissipar a sua riqueza cultural e natural, que boicotou a independência dos povos indígenas desde a primeira vaga de colonialismo.
Os povos nativos têm o direito de escolher por si. Sem independência económica, essa escolha não é possível. Todavia, muitas são e serão as oposições aos direitos de propriedade intelectual dos povos indígenas, porque sabem que terão de introduzir alterações drásticas no seu estilo de vida laboral.
Os rendimentos provenientes de dissertações publicadas e de outros livros, diapositivos, registos fonográficos, filmes e vídeos devem incluir uma percentagem dos lucros para os nativos. Talvez venha a ser normal que esses direitos venham a ser negociados com os povos nativos antes de se iniciarem os trabalhos de campo. Este tipo de comportamento nunca fez parte da ética profissional da investigação científica e da actividade empresarial, mas decerto passará a integrá-la num futuro próximo.
Os elos existentes entre a biodiversidade biológica e a diversidade cultural estão implícitos na “Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB)”, que foi assinada por 126 chefes de Estado durante a “Cimeira da Terra”, realizada entre 3 e 14 de Junho de 1992, no Rio de Janeiro.
Especificamente quanto aos povos indígenas e aos seus direitos, o “Preâmbulo” estabelece, que é desejável a partilha equitativa dos lucros provenientes do uso de inovações e de práticas, inspiradas nos conhecimentos tradicionais, que sejam relevantes para a diversidade biológica e para o uso sustentável das suas componentes. A alínea j) do artigo 8.º exige a promoção de uma partilha mais ampla dos conhecimentos tradicionais, bem como uma distribuição equitativa dos lucros provenientes da utilização desses conhecimentos, inovações e práticas.
E, por último, no n.º 4 do artigo 18.º, é feito um apelo no sentido de promover e desenvolver métodos de cooperação tendentes ao desenvolvimento e utilização de tecnologias, que incluam técnicas indígenas tradicionais. Embora a linguagem utilizada nos articulados da CDB tenha sido criticada pelos povos nativos, os termos utilizados representam, no entanto, um progresso considerável na linguagem internacional.
Se nada mais tivesse realizado, a CDB dá liberdade e um claro mandato às agências e aos programas da ONU, para trabalharem pelos conhecimentos indígenas e pela sua protecção. O Capítulo 26 da “Agenda 21” trata especificamente dos conhecimentos tradicionais e do desenvolvimento sustentável dos povos indígenas.
Tal lista de prioridade de acção, é mais do que adequada para orientar os recursos globais mais importantes para o uso, aplicação e protecção dos povos nativos, suas culturas e recursos físicos e intelectuais.
A importância dessa orientação encontra-se resumida no Princípio 22 da “Declaração do Rio”, em que “Os povos indígenas e as suas comunidades, e outras comunidades locais, desempenham um papel vital na gestão e no desenvolvimento ambiental, graças aos seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar devidamente a sua identidade, cultura e interesses e permitir a sua participação efectiva na conquista de um desenvolvimento sustentável”.